PRINCÍPIOS E PRÁTICAS
"O que é religião" de Swami Vivekananda
A filosofia denominada Vedanta é antiqüíssima; é o resultado do vasto acervo da literatura ariana conhecida pelo nome de Vedas. Esta filosofia, a Vedanta, tem certas características.
1. Em primeiro lugar, é absolutamente impessoal; não teve sua origem em nenhuma pessoa ou profeta: não foi instituída em torno de um homem. Contudo, não tem nada a dizer contra filosofias fundamentadas em torno de determinadas pessoas – com o budismo e muitas das seitas atuais. Cada uma tem um líder determinado, a quem presta fidelidade, como os cristãos e os muçulmanos. A Vedanta, porém é a base comum a todas essas várias seitas. Não há conflito nem antagonismo entre a Vedanta e qualquer outra tradição religiosa do mundo.
2. A Vedanta estabelece o princípio - subjacente a todas a religiões – que o homem é divino, e tudo que vemos a nosso redor é o efeito dessa consciência do divino. Tudo que há de forte, bom e poderoso na natureza humana provém dessa divindade. Ainda que em muitos essa divindade esteja latente, não há, em essência, diferença entre um homem e outro, pois todos são igualmente divinos. É como se houvesse um oceano infinito por trás de nós, e você e eu fôssemos ondas surgindo desse oceano; cada um de nós está fazendo o possível para manifestar essa infinitude.
3. Assim, cada um de nós possui, intrinsecamente, esse oceano inexaurível de Existência, Conhecimento e Felicidade por direito de nascimento, por nossa verdadeira natureza. A diferença entre nós é causada pelo poder, maior ou menor, de manifestar essa divindade.
4. A Vedanta declara, portanto, que cada homem deve ser tratado não pelo que ele aparenta ser, mas pelo que ele é. Cada ser humano é divino, e por isso cada mestre deveria ajudar, não condenando, mas ajudando o homem a expressar a divindade que traz dentro de si.
5. Ensina também a Vedanta que toda a vasta massa de energia que percebemos na sociedade, e que está presente em cada plano de ação, realmente vem de dentro para fora; e, portanto, o que as outras seitas chamam de inspiração, o vedantista pede licença para chamar de expiração do homem.
6. O homem assemelha-se a uma infinita mola, comprimida numa pequena caixa, tentando expandir-se. Todos os fenômenos sociais que vemos resultam dessa tentativa de expansão. As competições, lutas e infortúnios que vemos a nossa volta não são nem a causa nem as conseqüências dessas expansões.
7. A Vedanta afirma que o que ocorreu não foi uma inspiração religiosa única, a manifestação de um único homem divino por maior que tenha sido, mas, sim, a expressão da infinita unidade da natureza humana. E o que chamamos de moral e ética, juntamente com a prática da fazer o bem ao próximo, nada mais é senão a manifestação dessa unidade.
8. Ensina-se ao homem: Tu és uno com o Ser Universal. Assim sendo, cada alma que existe é a sua alma; cada corpo que existe é o seu corpo. Ao ferir alguém, você fere a si mesmo, ao amar alguém, você ama a si mesmo. Logo que uma corrente de ódio é lançada, o mal que você causa também o prejudica, assim como o amor que flui de você está destinado a voltar para você. Eu sou o universo; esse universo é o meu corpo. Eu sou o Infinito, só que não estou consciente disso agora. Esforço-me, contudo, para alcançar essa consciência, e a perfeição virá ao atingirmos a plenitude dessa compreensão do infinito.
9. Outra ideia característica da Vedanta é que nós devemos reconhecer a infinita diversidade do pensamento religioso, sem tentar impor a todos a mesma opinião, uma vez que a meta é a mesma.
Como conseqüência, podemos verificar que essa antiqüissima filosofia inspirou diretamente o budismo, a primeira religião missionária do mundo, e, indiretamente, também o cristianismo, por intermédio dos alexandrinos, gnósticos e filósofos europeus da Idade Média. Mais tarde, por exercer influência sobre o pensamento alemão, ficou perto de levar a efeito uma revolução nas áreas da filosofia e psicologia. Entretanto, essa imensa contribuição foi oferecida ao mundo de forma imperceptível.
Assim como o orvalho, que se condensa suavemente à noite traz sustento à vida vegetal, esta divina filosofia, de maneira lenta e quase despercebida, espalhou-se por todo o mundo em benefício da humanidade. Não foi necessário mobilizar exércitos para pregar esta religião. No budismo, uma das religiões mais missionárias do mundo, encontramos inscrições remanescentes do grande imperador Ashoka que registram como os missionários foram enviados à Alexandria, Antioquia, Pérsia, China e vários outros países do então mundo civilizado. Trezentos anos antes de Cristo, esses emissários receberam instruções para que não ultrajassem as outras religiões: A base de todas as religiões é a mesma, onde quer que estejam. Procurem apóia-las tanto quanto puderem, ensinar-lhes tudo o que for possível, mas não as hostilizem.
10. Sabendo que consciente ou inconscientemente estamos nos esforçando para alcançar a mesma meta suprema, por que haveremos de impacientar-nos? Se um homem é mais lento que outro, não precisamos perder a paciência e insultá-lo ou humilhá-lo. Quando nosso olhos se abrem e o coração se purifica, em virtude da atuação dessa influência divina, o desenvolvimento dessa divindade no coração humano se manifestará, e só então estaremos em posição de postular a fraternidade do homem.
O homem que alcança o ápice não vê homem, mulher, sexo, credo, cor, nascimento ou qualquer dessas diferenças. Ele vai além e realiza a divindade que é o verdadeiro homem por detrás de cada ser humano. Somente então ele atinge a fraternidade universal e apenas este homem põe em prática a Vedanta.
Esses são alguns dos efeitos históricos e práticos da Vedanta.
Seleção do livro "O que é religião" de Swami Vivekananda